quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Nada com nada

Hoje acordei pensando um pouco na música do Djavan, Açaí. Ai fiquei pensando e pensando e acabei fazendo uma interpretação pessoal da música. Claro que pode estar completamente errada, provavelmente está... Mas sei lá, é legal abrir os pensamentos as vezes para o vento que acaba sendo a rede toda. E essas coisas nada com nada.

A letra:

Solidão de manhã,
Poeira tomando assento
Rajada de vento,
Som de assombração,
Coração
Sangrando toda palavra sã


A paixão puro afã,
Místico clã de sereia
Castelo de areia
Ira de tubarão, ilusão
O sol brilha por si


Açaí, guardiã
Zum de besouro um ímã
Branca é a tez da manhã


Açaí, guardiã
Zum de besouro um ímã
Branca é a tez da manhã


O que EU penso dela:

Primeiro eu pensei que poderia ser algo ligado a fragilidade das coisas e das palavras, assim como das palavras coisas. No começo da música (tanto melodia como letra) tudo é suave (a melodia mantém-se suave) e um pouco frágil:

 Solidão de manhã,
Poeira tomando assento
Rajada de vento,

Tudo bem, então de uma certa forma ele começa a perturbar a paz, com uma escolha certa de palavras ele tira um frágil equilíbrio do que vinha sendo até então:

Som de assombração,
Coração
Sangrando toda palavra sã

Está tudo certo e então PAH! Nada mais é certo. As palavras são só palavras e mais nada. O que é uma palavra perante o sentimento? O distúrbio, o desassossego da alma.

Então depois, ele vem e desconstrói a paixão (um sentimento avassalador que pode muito bem ser o representante de todos os outros sentimentos) em várias palavras, MAS no fundo diz que TUDO sente.

A paixão puro afã,
Místico clã de sereia
Castelo de areia
Ira de tubarão, ilusão
O sol brilha por si

As coisas palavras são lindas metáforas e se desconstroem em outras mil palavras coisas e o sol continua brilhando sobre todas as coisas que existem. Tudo continua até que é de manhã outra vez, pura e branca, desconstruída no simples.

Açaí, guardiã
Zum de besouro um ímã
Branca é a tez da manhã

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ser

Eu quero ser um pouco de mim
E mais um pouco de você
Quero ser aquele que passa
Andando rápido do outro lado
Dessa calçada fria, descalça
Sem grama, sem orvalho, areia
Quero ser o céu azul e o fogo
Das chamas que dançam a noite
Ah, noite. Quero ser o brilho
Da prataria da sua casa.
Eu quero ser um pouco de mim
E mais um tanto de você
Aquele que passa do outro lado
Do oceano e pensa despreocupado
No que não vai acontecer.
Eu quero ser os seus sonhos
Os meus sonhos e o labirinto
Que ninguém aprendeu a andar
Não sabem sair, só sabem sentar
Na esquina da vida. Nossa.
Nossa que vida, minha vida
Quero ser você e espero
Que um dia queira ser apenas
Um pouco de mim.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Primeiros Pensamentos

Sempre que penso em uma personagem mulher penso em Helena, não sei o porquê esse nome surge na minha cabeça. Helena. Mas Helena é a musa de muitos, geralmente remete a uma mulher forte de personalidade marcante. Meus personagens são mais frágeis, quebram e colam seus pedaços com uma esperança rala, apenas um relance, uma faísca. Helena não seria o melhor nome. Talvez seja alguma espécie de pecado que cometo ao tentar refletir-me naqueles que tento criar, tentar reproduzir minhas angústias em belas palavras compondo pomposas metáforas. Mas é mais forte que minha razão, quando vejo já foi, criaram-se as metáforas (nem sempre boas, tampouco claras) as palavras pomposas ofuscaram as simples e o texto vira uma tentativa vã de arte e poesia.

Comecei com um pensamento (a personagem persistente em minha mente) e já me desprendi dele, agora falo de forma mais genérica sobre meu impulso de escrever, Helena já não tem mais autoridade nestas linhas e já não caminha mais nestas palavras. Agora surge a escuridão mesmo na luz que me inspira várias vezes. É uma escuridão bem diferente do comum (talvez não) e espera o mais frágil sinal de solidão para soltar seus dedos tentáculos acinzentados e envolver meus olhos suavemente. Não é ruim, é sedutor, uma fuga psicológica de meus descontentamentos que, as vezes, parece controlar meu tempo. É um tempo que passa lento, por um instante encontro a eternidade.

Uma eternidade, devo confessar, interessante. É a mesma que puxa meu olhar para fora da janela no meio da noite e faz meus olhos encontrarem as estrelas. Acho bem interessante essa coisa das estrelas, é quase a prova que eu preciso para acreditar em viagens no tempo. Devo salientar, entretanto, que sou leiga nessas discussões de física, o que eu digo aqui são pensamentos meus, nada confirmado ou suportado por alguma verdade ou hipótese científica. O que eu digo aqui é a viagem temporal da minha mente, pode ocorrer de forma semelhante na sua mente, ou não. É simples, portanto. Voltamos para as estrelas! Como dizia, para mim, olhá-las hoje é encarar os reflexos do passado, talvez por isso que me fascino tanto. Ao olhar para as estrelas estou revisitando toda história que já passou, é repensar toda minha situação e sanidade. É olhar no âmago do mundo, por um breve momento, todos seus defeitos, todas suas qualidades e passagens. É o cerne da criação de tudo que está ao meu redor e que em algum dia do futuro virá.

Mas é preciso apenas um instante para desvencilhar-me de todas as correntes que me amarram e sentir-me parte integrante do mundo. Pulsar com as águas e dispersar-me no vento. Apenas um segundo de eternidade ao olhar para as estrelas e sei que sou o mundo inteiro assim como o mundo todo é o que eu sou. Depois disso, silenciosamente, as correntes voltam e os dedos tentáculos de cor cinza abrem meus olhos. A realidade bombardeia minha visão. Também isso não é ruim, sinto o cheiro da chuva e o gosto do café queimar minha língua gentilmente. A escuridão de que falei e a realidade que me rodeia são dois lados da moeda e uma moeda não é feita apenas de um lado. Nada melhor do que uma dose de eternidade para melhor voltar à realidade. Quero jogar essas palavras no vento (ou o que a ele se assemelha), quero que outros leiam, ou apenas passem os olhos. O que tem aqui não é verdade, não é nada ao mesmo tempo que para mim é tudo...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

As cores da música e o ponto

Era um ponto, bem pequeno, escondido atrás de uma árvore muito grande. Essa árvore tinha as folhas de uma tonalidade verde escura com pintas acinzentadas que, a medida que se afastavam do sol, tornavam-se mais presentes. Uma bela visão de longe: a árvore com suas folhas bem verdes nos galhos superiores e cada vez mais cinzas nos galhos inferiores. O ponto conseguia apenas enxergar as folhas que caiam no chão ou que se prendiam com alguma dificuldade nos galhos baixos, o cinza era o primeiro a cair. A primeira cor que o ponto pintou o seu mundo foi cinza, não era de todo ruim, era um cinza salpicado de verde, um pouquinho de esperança, um pouquinho de vida.

Um dia o ponto quis sair de perto da sua árvore, ouviu algo longe chamar sua mente, precisava encontrar de onde vinha o som estranho e suave com um azul vibrante, oscilando no vento que desprendia as folhas e as levava para longe. O que aconteceria com as folhas que não caiam no chão perto do tronco rígido e fixo? Será que assumiriam a cor que o vento trazia? Esse azul diferente, uma vida não tão viva e não tão sem graça, talvez um sorriso seguido da lágrima. Seu impulso foi mais forte que a razão tentando insistir para permanecer seguro atrás da árvore. Seguiu as folhas, seguiu o azul, começou a andar pela grama tocada pelo sol, meio úmida das gotas de música que começavam a cair tímidas em tons de arco íris.

Eram muitas cores invadindo seus olhos, pois agora o ponto os abria mais e mais. O vento e a chuva envolvendo o corpo reto, antes tão imóvel e agora flexível com o ritmo azul cada vez mais vermelho, rápido, quente. A sensação tornou-se tão real, tão intensa que fez o sozinho ponto perguntar-se se haviam outros dele entregues ao misto de emoções e cores que o invadiam tão abruptamente. Quantas outras cores haveriam? Todos gostavam estritamente das mesmas? Existiam outros? Se existiam ficavam todos confinados em árvores das quais enxergavam apenas uma fração? Sua razão resmungou em algum ponto profundo de sua mente, havia saído da segurança e agora tinha milhões de questionamentos invadindo-o, qual era a utilidade disso tudo?

De imediato não tinha como responder os questionamentos de sua razão conservadora, não se esquecera do sentimento morno de segurança, mas, infelizmente ou não, o azul que trouxera o vento abriu um pequeno buraco no lugar que talvez fosse seu coração e inseriu o desejo de expandir as coisas que podiam, em algum momento, preencher esse buraco. Um outro ponto, uma música nova, uma cor antes nunca imaginada. Uma dor avassaladora sem cor nenhuma ou a leveza de todas as cores pulsando diante de seus olhos cansados. Tomou conhecimento da saudade de coisas que nunca viu ou sentiu. De pontos que nunca conheceu. 

Foi apresentado ao sentimento de solidão  quando conheceu vários pontos tão diferentes de si mesmo. E a sensação de ser constantemente ofuscado quando conviveu com pontos mais chamativos, uns bons e sinceros e outros repletos de uma casca brilhantemente artificial e fina. Esses primeiros (sinceros e bons) fizeram-no se sentir bem, feliz junto deles que emprestavam um pouco do seu brilho para pintar um pedacinho das suas músicas ainda em ascensão. Os últimos deixavam-no cansado, triste, com sentimentos de injustiça e pitadas de ódio, aniquilavam as cores vibrantes e traziam os tons insossos de cinza que reinavam por dentro da casca ofuscante.

Com os dias que passou fora da cobertura da antiga árvore o ponto também conheceu as noites com suas estrelas brilhantes que tocavam uma música tão calma quanto podia ser agitada. O ponto amou intensamente como podia amar todas as estrelas. Era tudo questão de como olhava para o céu. Se olhasse buscando conforto as estrelas cantavam algo mais suave de um tom prateado e oscilante como as águas. Se olhasse com desejos de expor a vontade de dançar, de gritar, de fazer qualquer coisa fora da rotina ou do normal as estrelas pulsavam douradas e intensas martelando gravemente em seu peito e perpetuando a batida para cada parte de seu corpo.

O ponto, entretanto, não sabia finalizar o que quer que estivesse vivendo, queria a continuidade e queria também conhecer um pouco o silêncio. Que cor tinha o silêncio? Ou tinha mesmo uma cor? Em suas andanças acabou chegando em um lago, tão grande como um oceano e tão pequeno como deveria ser por ser um lago. Nesse momento toda música parou por alguns segundos, as cores ficaram suspensas juntamente com a existência do ponto. Alguns momentos que foram esclarecedores pois, quando voltou a música e as cores começaram novamente a ondular pelo céu o ponto soube.

Soube o que faria, soube o que seria. Seria um ponto, um ponto vestido de vários tecidos, cada um de uma cor. Um ponto que algum dia encontraria outro ponto com tantos tecidos como ele, com cores diferentes e iguais. Um ponto que poderia viver ou continuar ali, temporariamente suspenso. Foi assim que o ponto pulou na água fria. A lâmina do lago oceano penetrou na sua pele de ponto e fez os tecidos se espalharem. No meio deles o ponto era um ponto muito pequeno. Um pequeno ponto rodeado de todas a emoções que sabia sentir flutuando no lago frio que as vezes não era tão frio assim. Como também era um oceano suas correntes começaram a mover o ponto, misturando as cores que na água ainda preservavam seu som... Levando-o para longe... Tão longe quanto um ponto pode ir e tão perto das estrelas quanto um ponto pode desejar.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Teste

oi

Nada


Eram olhos negros, como contas refletindo a noite sem estrelas. Vagavam na imensidão de meus sonhos já há algumas noites, sem rumo, sem sentido, apenas pairando no teto onírico como dois sóis inversos. Não mudavam em nada meu sonhar, nenhuma influência importante exerciciam nas histórias fantásticas de minha mente, existiam apenas por exsistir ou como um presságio de algo que eu talvez nunca viesse a entender.

Ao acordar deixavam pequenas marcas nos cantos de meu campo de visão, nada que me incomodasse ou impedisse de enxergar. Estavam lá, quietos e silenciosos, tão negros quanto podiam ser e ao mesmo tempo quase invisíveis pelo hábito. Lembrava deles apenas quando direcionava minha visão para alguns dos lados em que estavam. Era rápido, indolor, uma cutucada incômoda na normalidade e mais nada.

Nunca pensei em procurar algum médico para examinar o que eram essas marcas escuras na minha visão periférica. Estava bem claro para mim que eram reflexos dos meus sonhos. Nada de mais, assim, uma coisinha sem importância. Para que gastar dinheiro e horas em filas de espera? Não seria nada, nada poderia ser feito para solucionar, apenas esperar. Era isso que diriam os médicos, era disso que estava convencida. Seria isso que iria acontecer.

Então tudo estava sob controle, aqueles olhos negros não eram preocupantes, pairavam em meus sonhos, atrapalhavam minimamente meu cotidiano. Nada com que me preocupar. Também não compartilhei com meus conhecidos esse fato peculiar, não via sentido algum em atormentar meus familiares e amigos com algo tão pequeno e banal, simplesmente desnecessário. Era tão desnecessário que vez ou outra, quando percebia os pontos negros, pensava quão ridículo soaria para meus amigos o relato de tal fato.

Houve épocas em que os olhos dominavam completamente minhas noites, do começo do sono até o final eles cresciam até tomar toda a cena e não restar nada senão uma cópia do universo sem luz. Nessas noites acordava assustada com idéias de que, talvez, não fossem tão banais assim esses olhos negros atormentadores. Minha visão turvava facilmente após esses episódios e minha preocupação, por apenas um dia ou dois, tomava dimensões palpáveis. Mas também isso passava logo e acabava tornando-se algo pequeno. Minha agilidade nas tomadas de decisões era falha perante a agilidade dos olhos negros retornarem a insignificância.

Passei anos e anos convivendo com essas idas e vindas, crescimentos e recolhimentos. Passei anos não me importando com algo que cada dia ficava mais presente por ser tão não importante. Posso contabilizar meses sem fim de justificativas para não me preocupar. E, no fim, posso perceber que tanta não preocupação tomou praticamente minha vida inteira. Agora os olhos são dominantes. Sempre presentes no meu sonho escurecendo a fantasia do repouso.

Assustadores, presentes. Dois sóis turvando minhas noites e diversos pontos negros salpicando meus dias. Não eram mais pontos discretos na visão periférica. Conviva agora com uma infinidade de pontos atrapalhando meu enxergar. Fica cada vez mais difícil fazer as tarefas do dia a dia, escrever, ler. Tudo exige muito esforço e dedicação. Não tenho mais coragem de cozinhar minhas refeições, tenho medo de me queimar ou me cortar. Há pontos cegos na minha visão.

E, nestes pequenos momentos em que me esforço suficientemente para tentar enxergar minha vida nitidamente, reflito sobre o não me preocupar. A insignificância tão justificada que cresceu assustadoramente em mim. Os pontos cegos. Os sóis. Os sonhos e as turbulências. O nada que encheu meu mundo, tomou minha vida. Fez de mim escrava de meus medos. Acorrentada em pequenas banalidades que deixei tomarem muito tempo do que me era precioso. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Fractal


Todo dia começava do mesmo jeito, levantava da cama com os pés doendo ao tocarem o chão frio. Esticava o corpo, alongava os braços e respirava fundo. Em pé, ao lado da cama, checava cada móvel do seu quarto contando mentalmente cada objeto ao seu redor. No banheiro escovava os dentes em sua disciplina militar, penteava os cabelos com preguiça e encarava seu rosto por alguns segundos. Nessa hora apreciava algumas rugas novas e outras mais antigas, cada ruga uma marca de suas preocupações. Algumas fúteis, outras profundas. Ultimamente tentava ser como a ostra, transformando os grãos invasivos em lindas pérolas. Queria a metamorfose de seus problemas, de suas preocupações.

Assim como começara, o dia seguia sem grandes mudanças. A mesma rotina rígida, o preparo do café sempre preto, sempre amargo. As torradas com manteiga, a vilã do coração! Mas seu coração já sofria de mais com sua infelicidade, uma manteiga a mais não danificaria tanto suas mazelas coronárias. E que mazelas! Como podia ser cruel a rotina, a incerteza, a infelicidade! Algo ainda esmagava seu peito, espremia seu cérebro, mas não podia fugir dos seus trilhos, não podia descarrilhar. Não, descarrilhar nunca.

Após o café sempre seguia rumo ao trabalho, algo simples, compatível com sua posição na sociedade. Caminhava calma pelas ruas, como se o caos urbano ofuscasse um pouco seu microcosmo perturbado. Na rua, onde ninguém podia ver seu rosto, no meio de tantos e ao mesmo tempo só, era apenas um número, umas estatística. Quantas pessoas atravessavam a rua, quantas pessoas caminhavam pelas calçadas, quantas pessoas fugiam de si mesmas. Era nesses números que entrava, era aí que tinha algum significado.

Perto de anoitecer voltava para casa, tomava um banho bem quente, as vezes ficava um pouco mais na banheira pensando na gama de coisas que poderiam ter sido. As vezes imergia na água e prendia a respiração, era como se o mundo suspendesse. Nesse momento tinha paz, no silêncio da água, na escuridão de suas pálpebras. Nesse momento estava dentro de si e a visão não era tão horrenda como no espelho.

Enfim chegava a hora de deitar, nada muito requintado, uma taça de vinho para chamar o sono, o estômago vazio para chamar os pesadelos. As roupas frouxas de dormir, o desalinho dos cabelos rebeldes. A sua melhor visão. O colchão duro sempre trazia algum conforto, alguma regularidade, sempre tão necessária para dormir, para sonhar o não sonho de sua vida. Ao fechar os olhos via-se acordando. Levantando da cama com os pés doendo ao tocarem o chão...

sábado, 31 de agosto de 2013

Momento

Aquele era o seu melhor momento, no começo do dia, ainda sonolenta, sentada no espaço em frente a janela. Olhando para o dia, tomando seu chá. Naquele momento ela era apenas ela. Não era a escritora ou a mulher gentil, não era a filha ou a neta, tampouco a namorada. Não tinha uma identidade, apenas o momento de estar lá contra a luz matutina brilhando suavemente meu bom dia. Uma pintura viva. Talvez minha. Mas acho que não, naquele momento ela era apenas de si mesma ou do mundo inteiro.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Palavras

Apaixone-se pelas palavras!
Elas não acabam, não cansam,
Não decepcionam.
Apaixone-se pelas palavras
Ou transforme o objeto de seu desejo
Em belas frases rimadas.
Apaixone-se pelas palavras e veja
Sua paixão mudar com o pensamento,
Voar no vento, ao seu contento.
Apaixone-se pelas palavras,
É simples, é fácil.
É tátil.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

De repente

De repente acordei pensando em você, o que é estranho já que se passou muito tempo desde a última vez. Peguei minha mente refazendo nossos planos há muito esquecidos, lembrando de nossas risadas e  do nosso silêncio de cumplicidade. Entretanto não pensei em ligar, acho que não valeria a pena, depois de tantos anos você ainda seria capaz de reconhecer minha voz? Pois eu lembro que não precisava identificar-me, apenas dizer olá.

Enquanto isso minha mente racional lutou para não dar continuidade a esses pensamentos. Alguns argumentos, confesso, foram um tanto convincentes. Um deles, por exemplo, afirmava que, se não deu certo, foi uma maneira do universo congelar o que era belo antes que ficasse podre. Mas isso, sinceramente, não convenceu meu outro lado que insistia em sentir saudades naquela manhã gelada.

Acho que sonhei com você e tentei encontrar seu corpo ao meu lado, sentir seu cheiro no travesseiro, talvez foi isso. E então, esses gestos, antes tão habituais e agora tão vazios, desencadearam a cascata de lembranças do tempo em que você era presente em minha vida. Mas será que sua presença era assim tão boa? Ou essas sessões de nostalgia tem fundamento apenas no meu universo particular? Será que éramos realmente um casal, ou apenas um par de amigos?

Honestamente, não sei. Sei apenas que seu nome acordou nos meus lábios e, sem qualquer motivo, senti falta das suas palavras. Mas não adianta, nosso tempo passou, ou assim querem que seja. Se houve ou não um motivo divino de preservação universal apenas os deuses (se é que esses existem) saberão. Para mim basta lembrar, com carinho, dos dias que você viveu em minha vida.
Quero afogar-me em seus lábios
Beber de seus beijos e envolver
Minhas mãos em seus cabelos.
Movimentar-me no seu ritmo
Seguindo sua música doce
Sua voz em meus ouvidos
Suas mãos despindo-me
De todas as feridas
De minha alma.

Nossos corpos foram encaixados
No princípio de tudo e a dor é
Insuportável quando estamos
A uma distância maior que
Um sussurro de prazer.
Não quero mais, nunca
Esfriar-me de seu calor
E afastar-me tanto
De sua névoa.

Isabella

Onde está Isabella?
O que foi feito dela?
Está fechada em seu quarto
Olhando pela janela.

Onde está Isabella?
Vagando em suas lembranças,
Mendigando esperanças!
De seus sonhos sentinela.

Será que fugiu Isabella?
De sua realidade cruel,
Dos seus planos insanos,
Buscando a cura de sua mazela?

Não volte Isabella!

domingo, 21 de julho de 2013

Sonhos

Deixa-me apertar teu sono em minhas mãos
E moldar teus sonhos conturbados
Na argila clara de meu corpo.

Deixa-me derramar minha voz calma
Nas ondas do mar onírico e revolto
Que te envolve enquanto dormes.

E cantar-te cantigas de aventuras e amor,
Tecendo-te quadros na areia de Morfeu
E embalando-te em meus braços.

Deixa-me suspirar uma vez,
A última e então irei para
Sempre e longe de ti.

sábado, 20 de julho de 2013

Não há

Não há mistério que não mereça ser resolvido,
Não há dor que não mereça ser curada.
E não há lembrança, mesmo que devassa,
Que mereça ser esquecida ou apagada.

Não há ferida que não mereça ser fechada
Ou sonhos que não mereçam ser sonhados.
E não há luz que venha de quaisquer olhos
Que mereça ser tragicamente extinta.

Voando no limbo das ações passadas
E mesmo no das ações passivas imponentes,
Não há razão qualquer ou motivo distante
Que justifique, satisfatoriamente, existir

Uma paixão, mesmo que vã, que não mereça
Nem por um segundo, ser lembrada.
Ele tinha seus olhos quando era jovem, lembro-me bem da expressão, dos lábios apertados enquanto pensava seriamente sobre um assunto. Ele tinha seus cabelos rebeldes de qualquer jeito jogados ao lado do rosto, algumas vezes confuso. Ele tinha suas qualidades e seus defeitos provenientes da juventudo agitada e suas mãos, estranhamente grandes, porém graciosas, que envolviam minha cintura e desmontavam-me em sentimentos diversos.


Seus olhos, sua boca, seu sorriso. Seu semblante acolhedor no momento de desespero. As notas de uma sinfonia perfeita esperando-me no leito quente de seu abraço. Seu beijo de suave sabor arrebatador com seu perfume de saudade. Onde estão seus olhos, janelas de sua alma de outrora? Onde estão suas mãos tão quentes, tão cheias de ternura? Um suspiro do passado na incerteza do futuro.

Opcional

Adormecida dormente no limbo do sorriso ausente
Com os olhos baixos e os cabelos em cachos
Suave como a onda pequena avançando,
Avançando nas suas areias pegajosas
Não há mais espera consistente, só
O cálculo errôneo do meu risco
De não tentar mais do que o
Possível, previsível, seguro.
Presa na corrente firme
Da rotina disfarçada
De cordeiro manso.
E apenas o resto
A casca seca!
Apenas o
Que me
Tornei.
Só.

terça-feira, 1 de março de 2011

Reflexão

O que eu sou para ti? O corpo inerte ao teu lado na cama, ou o peso morto de uma relação estagnada? Seria eu o ronco de fome e desejo de tuas entranhas ou apenas a cócega insossa da rotina? O que te dizem meus olhos molhados e vermelhos quando te encaro fixamente? Eu não saberia as tuas palavras, tampouco teus pensamentos, sequer reconheço meus olhos quando os dirijo a ti, a tua névoa existencial, teu vazio conjugal. Minha pequena semente que brota do árido, o que há em teu coração? O que devo fazer para atingi-lo? Come-lo ao café da manhã e regurgitá-lo ao entardecer, sentir enfim os sentimentos tão fracos, falhados na melodia de nossas vidas. Eu não sei o que esperas de mim e também não entendo o que espero de ti. Tuas promessas esfriaram, choveram para longe e lavaram o nobre sentimento que te cabia tão perfeito dentro de mim. Minha cócega insossa, desta rotina acredito que não preciso mais.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sobre Pontes e Carros

Sentada no banco de trás do carro de seus pais os dedos pequenos e impacientes grudavam no vidro frio, estavam rodando há bastante tempo, a pequena perdida em seus pensamentos e os pais perdidos nas ruas pintadas de crepúsculo daquela cidade imensa. Ela nunca soubera exatamente a magnitude daquele conjunto de cimento que pulsava dia e noite nos jornais, nas rádios e no cotidiano de cada pessoa que por lá passava, sabia, sim, que era uma grande cidade, conhecida e admirada por muitos, temida por alguns e objeto dos sonhos de indefinidas pessoas. Todos os rostos que rapidamente passavam pelo seu vidro pareciam-lhe anônimos, vazios e desconfortavelmente apressados, não conseguia entender como alguém conseguia viver naquela adrenalina eufórica, provavelmente sofriam do coração, pelo menos era o que acreditava baseando-se nas sábias palavras de seu avô que pregavam que uma vida agitada e viciante acabava por maltratar este órgão tão vital. O avô já havia morrido há alguns anos, deixara nela uma ferida estranha mista de saudade e tristeza, entretanto sua pequena cabeça só entenderia mais tarde a real dor que esta lhe provocara.


Sobre lágrimas sabia um pouco, entendia que mamãe chorava quando brigava com o pai, figura sempre autoritária perante os outros, mas perto de si tão sorridente e gentil. Ela pensava que, talvez, se sua mãe visse seu pai mais vezes como ela via, não chorasse tanto. Gostava do rosto dele quando a colocava para dormir, nessas horas ele a lembrava o avô, sem máscaras, o semblante suave dava-lhe um pouco de sono que se consolidava quando ele lia, ou simplesmente falava, algumas histórias de lugares distantes e frios, ambos gostavam muito de lugares frios. Porém ela percebia que perto da mãe ele se armava com muitas camadas das quais não conseguia tirar um significado, estava sempre tenso, meio bravo e a voz não era aquela que a fazia viajar pela neve distante, nesses momentos queria que chegasse logo a hora de dormir para poder ter novamente o pai que tanto amava. Quando começavam a gritar no quarto ao lado do seu escondia-se em baixo das cobertas e evocava o rosto do avô dizendo-lhe que eles estavam apenas cantando para um passarinho mal criado voltar para seu ninho, assim conseguia finalmente embarcar no sono profundo.


Aquela tarde fora estranha, era um sábado no qual o pai resolvera que todos deveriam ir passear para olhar vitrines, ela gostava muito de olhar as lojas com roupas bonitas em grandes bonecas pálidas, porém a mãe ficava impaciente pois provavelmente perderia algum programa interessante que passaria na televisão. Como em quase todas as ocasiões, e esta não era uma exceção, o pai dava a palavra final saíram todos no carro da família em direção ao centro comercial mais próximo. Ficaram horas olhando os brilhos e as luzes das lojas, entraram em apenas uma na qual a mãe comprou-lhe uma tiara vermelha para usar na festa de Ano Novo que se aproximava, ficara tão bem com seus cabelos escuros que pediu para não tirar e assim foi andando com seu adorno novo e um sorriso no rosto. Pararam para tomar sorvete e ainda ficariam muito tempo se não fosse a visível irritação da mãe com o programa, foi então que o pai decidiu que era hora de voltar para casa, entraram todos novamente no carro e se perderam no caminho de volta.


Os dedos já haviam adormecido com o frio do vidro, ela estava cansada, queria sua cama, mas seu pai não conseguia achar o caminho de volta e sua mãe não parava de falar e soluçar. Eles estavam brigando e passando por várias pontes enquanto tentavam não gritar para não assustar a criança no banco de trás. Mas ela sabia o que estava acontecendo e ela sabia que chamar seu avô em seus pensamentos não os faria parar. Eram tão bonitos os prédios iluminados e as pontes cheias de luzes rápidas daquela cidade e era tão triste o ar que se impunha dentro daquela gaiola de metal ambulante, ela não entendia como podiam coexistir coisas tão antagônicas em um mesmo espaço naquele exato momento. Sua pequena cabeça tão singelamente enfeitada tentava descobrir o momento em que aquele homem, seu pai, deixara de ser a pessoa que a colocava para dormir e que lhe dera sorvete há algumas horas. Passavam por uma ponte muito iluminada e grandiosa quando um tremor tomou conta do carro, ela, pequena, teve medo de cair, a mãe se calou e o pai jogou seus olhos sobre aquela mulher por um instante, um olhar triste e vazio que fez, finalmente, a pequena no banco de trás entender que entre seu amado pai e sua mãe todas as pontes haviam tremido tanto que acabaram por partir.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Última noite

Era difícil escolher que roupa usar para aquela ocasião, meia garrafa de uísque já havia sumido garganta abaixo e pelo menos um maço de cigarros já virara cinzas entre seus dedos. Era tão belo deitado, dormindo tranquilamente, que roupa ele deveria usar? Com certeza algo que combinasse com seus olhos claros e seus cabelos rebeldes, não muito formal. Jeans era uma boa opção. Mas não seria casual demais? Geralmente nestes eventos não se vê a parte de baixo do convidado de honra, onde deixara a calça? Lembrava vagamente que jogara suas roupas no chão, mas a lembrança estava tão imersa no êxtase que era difícil recordar exatamente onde as peças haviam caído. Tinha que parar de ter essas aventuras de uma noite, é claro que a satisfação era garantida, o prazer era intenso, mas no final só havia o vazio, ninguém para ligar, ninguém para abraçá-la durante o dia. Entretanto aquela noite fora diferente, algo vivo ainda respirava, os olhos claros não estavam completamente apagados, mas era loucura pensar assim. Ela sabia que não era possível. Como a cultura era mórbida pensou de repente, velar um corpo sem vida durante horas, chorar sobre a pele sem elasticidade, acariciar as mãos rígidas. Enterrar todas as lembranças, as flores. Esquecer as dívidas. Devia terminar logo, o tempo corria em sua cabeça dolorida, uísque de mais, cigarros de mais. Em menos de duas horas o caixão chegaria e o corpo devia estar pronto, vestido, maquiado, sem as marcas de batom pelo corpo, marcas vermelhas, ela adorava usar vermelho nos lábios. Ah, mas ele era tão sereno! Nem parecia... Será? Estava frio, isto podia dizer certamente, estivera frio durante o ato inteiro. Uma noite fria. Parou de pensar e começou a trabalhar, ajeitou os cabelos, deu cor as faces, vestiu o corpo inerte e restava apenas fechar-lhe os olhos, entretanto não tinha coragem de apagar a luz verde clara que a encarava, seria muita ousadia deixar o corpo com os olhos abertos? Eram tão lindos, não havia por que fechá-los para sempre. Ficou admirando o trabalho bem feito, despedindo-se daquele que mais a tocara, logo o levariam para longe de si, logo nunca mais o veria. Mas era assim com todos que passavam pelas suas mãos não entendia por que ele era diferente, aquele sentimento de culpa, era apenas mais um cadáver! O caixão chegou. O corpo se foi. E na sala ficou apenas ela, deitada, cansada, com os olhos de vidro encarando o teto.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

...

A chuva parou na caneca vazia. Vazia como estas mãos que escorregam pelos olhos úmidos, que imagem interessante aquela. Como pudera? Pequeninos cacos que vidro espalhados por todo chão, azulejos rubros de hemácias, onde estivera? Onde estivera sua consciência quando escorregaram os dedos firmes na pele branca? Os dedos? Não os dedos, os cacos. De seus olhos? Que importa! Agora tudo é névoa. Sem chuva, sem lágrimas... E o brilho? Que brilho? Besteiras folclóricas, não há brilho depois da escuridão, depois do vermelho latente. Há apenas o vácuo. E os sons? Estão chegando os sons do horizonte, posso vê-los voando pelo céu. Não se pode ver os sons querida... Claro que sim, eles estão lá, oscilando num turbilhão, tão bonito olhar daqui. O baixo tem a forma de um beijo. O beijo que nunca mais sentirá. Nunca? Não. Estranho, percebo agora que o grito de angústia é vermelho e voa tão mais rápido que o baixo...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Trecho a ninguém

O chá esfriara nos últimos dedos da caneca velha e manchada e as folhas continuavam em branco, a caneta jogada e destampada esfriara nos locais de pressão da mão humana e alva que por sua vez descansava no mogno sem brilho do tampo da mesa. "Os anos passam rápido sobre a planície ofuscante do espelho, cada dia reflete um homem que foge de si mesmo e esconde um mundo de escuridão suspenso no vácuo de uma carcaça epidérmica", não sabia exatamente quando havia lido, mas as palavras martelavam em sua cabeça e bloqueavam qualquer tentativa de criar. Estava velho, preso em suas escolhas solitárias feito uma pedra plantada no chão de cimento. Cada gota da chuva ácida de culpa acumulada durante anos corroía-lhe a pele, sua face deformou-se, virou um espectro, uma idéia horrenda dos sentimentos mais pesados e seu corpo não se movia, a mão grudara no mogno e assim permaneceu. Dia após dia, noite após noite e as sombras iam e vinham naquela imagem vazia de Ninguém deformado. Suas folhas em branco ecoavam em perfeita sintonia com aquelas palavras que não paravam de martelar...
Eu amo, sinto saudades, mas há algo quebrado que espeta minha carne. Olho para trás e não sei como cheguei até aqui, deste jeito, as portas se abrem, o vento sopra e eu estou ainda imóvel. Quero gritar, mas minhas boca está costurada, eu amo e as vezes não tenho coragem de esticar-me e envolver este amor com toda minha personalidade. Amo e choro quando estou distante, porém tenho medo de ser incompreendida, de ser motivo de temor. Será possível que talvez eu o assuste com todo sentimento adormecido que talvez volte a desenvolver? Os poemas no meio da noite, os sonetos com seu nome, as cartas... Será que ele seria capaz de esquecer minhas cartas? Tenho medo de escrevê-las. Tenho medo de explodir em emoções. Tenho medo de voltar a ser o que era.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Não me deixe...

Não me deixe, não aqui no vazio, nestas paredes brancas que ferem meus olhos. Não! Não me deixe sozinha com meus pensamentos atormentados, sozinha comigo, por favor, não me deixe! Não solte minha mão, pois meus dedos apodrecerão no ar da solidão. Não largue meu corpo na cama fria, pois minha pele quebrará como a camada frágil de gelo sobre a água. Não, por favor não me deixe! A rosa de minhas faces morrerá pálida sem seu toque, meus lábios secarão sem os seus, não me deixe no mar da desilusão, não me afogue em minhas lágrimas secas. Que será deste rosto morto em frente aos espelho? Como encarar os olhos de vidro partido, os cabelos opacos e a pele transparente? Que será do suspiro de vida melancólico, o último: Não me deixe!

domingo, 20 de junho de 2010

Nota

Fugir de tudo e de todos, correr descalça pelas calçadas da memória, esquecer apressada as lembranças quebradas. Chorar rápido as alegrias perdidas. Escapar das garras do futuro e esconder-se dos lábios do passado. Parar no meio fio do tempo para apenas contemplar o rosto confuso do presente e ouvir o choro triste das cordas que não mais querem cantar.


Estourar os tímpanos com notas distorcidas da minha música mal acabada. A guitarra jogada na areia movediça, engolida pela não vontade de criar. Os lápis e os papéis derretidos no ácido do bloqueio e o som de um osso torcido na angústia. Que voz estridente tem o nada que me traga vagarosamente!


Funde meu corpo no calor da desilusão, maculado pela culpa de ser tão passiva. Voam meus cabelos pelo céu rubro de meu sangue ralo derramado para suprir esforços fúteis. O supérfluo da minha existência é gritante, enquanto o sentido real da minha personalidade permaneceu mudo pelas décadas corridas em que pensei viver intensamente.

Matrizes

Quando acordei naquela manhã o mundo parecia ligeiramente diferente, algo mudara nas cores, não eram mais tão vivas como deveriam ser. Ignorando protestos do meu corpo pesado na cama vesti-me e sai para rua sem saber que o mais bizarro dos acontecimentos estava a minha espera. Matrizes gigantes cobriam por inteiro os transeuntes, nem seus rostos eram poupados. Mais estranho que isto era o que acontecia com os números destas matrizes quando alguém falava ou esbarrava em outra pessoa, eles mudavam rapidamente, num piscar de olhos. Continuei com minha caminhada, ainda meio zonzo de sono. Era estranho, pois eu não conseguia relacionar exatamente o modo como as matrizes mudavam com uma ação social específica. Subitamente meus olhos pousaram em uma matriz cuja maior parte dos números era zero e um sentimento de tristeza invadiu minha mente. Não pude conter as lágrimas que já escorriam pelo meu rosto descontroladas, precisava enxugá-las o mais rápido possível. Acelerado pela minha vergonha e fraqueza, procurei a loja mais próxima e me dirigi ao seu banheiro. Foi então que me espantei pela última vez no dia quando me dei conta que minha matriz não se refletia no espelho.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Você pode

Você pode se esconder

Em um sorriso amarelo

Fugir em um barco de flores

Dormir num sonho doce

Mas não pode correr

Com os pés descalços,

Os olhos fechados

Ou as pernas dormentes.



Pode olhar o céu rindo,

Cantar as notas alegres

De uma melodia qualquer.

Pode falar mentiras quaisquer,

Profetizar besteiras fúteis,

Mas não pode mudar a voz

Que treme, falha e chora

Quieta em sua garganta.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Lápis

Tinha mania de apontar lápis, vários de uma vez. Gostava de deixá-los enfileirados na mesa com suas pontas perfeitas viradas para janela. As lascas de madeira que sobravam eram guardadas em uma caixa de metal destinada antigamente para guardar diversos tipos de chá. O cheiro agradava-lhe, sempre que algo o importunava corria para sua caixa e cheirava as lascas e pontas quebradas até a calma invadir-lhe a alma. Aquele era seu mundo secreto.

Os amigos geralmente lhe davam apontadores e caixas de lápis importados nas datas festivas. Os lápis ele mantinha em uma espécie de santuário dentro da gaveta de sua mesa, os importados eram como uísque, quanto mais tarde apreciados melhor. Já os apontadores eram esquecidos no fundo do armário, não gostava deles, eram mecânicos e frios de mais. Para apontar bem um lápis era necessário um afiado canivete e dedos bem precisos, os seus eram quase cirúrgicos.

Acreditava em seu íntimo que cada vez que apontava um lápis estava esculpindo uma obra de arte em madeira. Sua técnica fora desenvolvida durante muitos anos e o treinamento começara cedo, no colégio. Criara o hábito de apontar (muito bem) os lápis alheios em troca de pequenos favores, tais como a resolução de um dever muito difícil ou um pedaço de torta no intervalo das aulas. Quando foi capaz de comprar seus próprios lápis começou a guardar suas lascas e pontas depois de apontá-los. Não queria perdê-los. Chamou a caixa de metal de cemitério, para ele era onde enterrava todos os restos mortais dos seus rápidos momentos de alegria pura e cristalina. Cheirar aquelas lascas era reviver a calma de sua existência.

Um dia sentiu necessidade de alguém mais na sua vida, uma esposa talvez. Depois de pensar um bocado concluiu que a melhor mulher para ele deveria ser uma funcionária de uma papelaria de bairro. Começou a mandar flores para uma tímida jovem que trabalhava a poucas quadras de sua casa, em pouco tempo a coragem aflorou-lhe a pele e ele a convidou para tomar um sorvete na praça. O primeiro encontro foi algo mágico, conversaram sobre suas vidas, seus planos e coisas que gostavam de fazer, na despedida um gosto amargo brotou-lhes nos lábios, queriam a expectativa de um reencontro. Estavam apaixonados.

Todo ano ela lhe presenteava com um lápis e um canivete novos. Ele adorava, sentia que logo poderia mostrar a sua amada o precioso mundo que escondia na caixa de chá. Isto era, para ele, um passo tão grande em um relacionamento como o casamento. Finalmente decidiu, levou-a até sua casa e mostrou-lhe a caixa. Explicou-lhe como aquilo, se é que poderia chamar de simplesmente aquilo, era importante e ocupava um espaço na sua vida semelhante ao dela.

E ela explodiu em risos e movimentos frenéticos, não conseguia se conter! Eis que sua mão risonha em êxtase derrubou a caixa de metal. Toda uma vida de lascas espalhou-se pelo chão perdendo-se para sempre, nunca mais seria possível juntá-las e sentir aquele cheiro tão puro. A mão dele, furiosa, ardeu contra o rosto dela deixando além da marca avermelhada naquele rosto feminino um abismo entre a sua realidade e a sua paz.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fumaça

Toda vez que ele fumava uma penumbra formava-se em torno de si. Era um toque sutil de mistério, uma fagulha de curiosidade que me embriagava como uma bela dose de uísque sem gelo. Esses momentos lembravam-me a época em que, por acidente infeliz, deixara meus óculos caírem no chão e ficara meio cega por uns dias, eram tempos em que as óticas não eram muito rápidas. Eu era bem nova, uns dezesseis anos, talvez mais, talvez menos. Como diria meu pai “dezesseis mais ou menos um e meio”. Nesses dias em que fiquei sem enxergar direito o mundo ganhou um véu diferente, nada era nítido suficiente e as ruas pareciam porções de água escura dançando suavemente ao sabor de uma leve brisa. O começo foi meio assustador, estava tão acostumada com a nitidez prática de meus óculos que o suave mistério instalado na minha vida tragou-me para um abismo de medo. Entretanto aos poucos aprendi a tatear nas névoas que se formavam a minha volta e consegui conviver mais tranquilamente com tudo aquilo.


Apesar de o cheiro incomodar-me no começo, a simples lembrança da época de meus dezesseis anos eclipsara qualquer desconforto, tornando a experiência de ficar ao seu lado durante suas tragadas nostálgica. Gostava de inserir-me na fumaça, impregnar-me do ar que saia de sua boca e fechar os olhos. Nesses momentos eu conseguia lembrar-me perfeitamente de todas aquelas imagens pouco detalhadas das semanas de minha míope névoa e sentia meus pés flutuando nas ruas enquanto apertava meus olhos para olhar alguns centímetros a frente. Ele, então, envolvia-me em seus braços e sussurrava algumas palavras com as quais eu nem sempre me importava. Todos meus sentidos eram atentos apenas às sensações oriundas de seus lábios esfumaçados e meu corpo inteiro entrava em êxtase quando me tocavam macios e quentes. O beijo sufocava-me, eu sentia a fumaça invadir-me os pulmões e expandir-se por todos meus órgãos, tentava respirar, mas não havia mais oxigênio apenas o momento da morte de todo meu presente.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Amnésia

Eu posso dizer que tentei, tentei olhar para trás e catalogar todos os acontecimentos, entretanto há um enorme abismo entre tentar e conseguir. Há as noites em que o sono não aparece e cada som torna-se um estrondo. É o barulho dos motores rasgando o asfalto da rodovia próxima, ou o preguiçoso ronronar do computador trabalhando esquecido em algum quarto. Todo e qualquer ruído é alto o suficiente para ser ouvido mesmo quando uma música qualquer salta em plano principal para tentar, em vão, embalar tentativas frustradas de simplesmente fechar os olhos e abstrair-se de todas as sensações.


Catalogar é metódico de mais, olhar mentalmente os fatos e lugares e atribuir-lhes datas, nomes ou algo semelhante desgasta. Às vezes penso que viver no meio do caos é deliciosamente natural, não saber ao certo onde começou e, conseqüentemente, não ter capacidade nenhuma de esboçar um fim (por mais simplório que talvez venha a ser). A existência é apenas um ponto atual numa linha torta e infinita. Para que nomear aquele rosto risonho perto de um monumento sem nome? As figuras são apenas um amontoado de cores dispostas de qualquer jeito.


Quão doloroso seria saber exatamente o momento em que se disse adeus para alguém? Saber a partir de que minuto nunca mais as mãos tão íntimas tocar-se-ão. É melhor apenas saber daquele momento flutuante e assim, como se um véu envolvesse tudo, lembrar-se vagamente dos dedos acenando para um rosto borrado. Eu tentei organizar as peças da minha cabeça, mas é inútil! Do que adianta recordar apenas para saber se todo o sentimento não mais existe? Minha existência tornou-se uma jangada, bem pequena, despedaçando-se em um enorme volume de água.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Retrato

É uma figura admirável sentada no jardim, um quadro pintado de realidade, suave como o suspiro da manhã fresca que a rodeia e denso como a noite que em algum dia penetrou-lhe na tinta. A sua mão alva brinca com os cabelos encaracolados, levemente acobreados pelo sol, tem os olhos fixos em algumas folhas jogadas sem ordem em cima da mesa de concreto das quais não consigo extrair informação alguma. Gostaria de ser alguma daquelas folhas, apenas para ter seus olhos deitados sobre mim, examinando-me minuciosamente, seus olhos...


Respira com aparente serenidade, confesso, é difícil descrevê-la, descrever seu comportamento, a posição de seu corpo. A sua volta existem o verde da grama e o cinza da pedra sobre a qual está sentada, daqui quase é possível confundi-la com a pedra. Entretanto a única coisa que consigo visualizar é sua figura, perante ela o verde e o cinza são meros borrões da realidade destorcida. O que me chama mais a atenção são seus cabelos, jogados pelas suas costas em cascatas caóticas até a cintura, eles emolduram seu rosto, tocando-lhe a face com delicadeza. Uma mecha está detida em seus dedos lânguidos que a jogam para cima e para baixo sem deixá-la escapar de si. Seus lábios quebram a harmonia de seus cabelos. Os lábios são vermelhos como o sangue que deve correr por suas veias, perturbadores, não pela cor forte, mas pelo simples e singelo mistério que exalam quando se abrem levemente para sussurrar exaustão ou qualquer outra expressão corriqueira.


Ah! Como a desejo! Seja brincando com seus cabelos macios, ou suspirando os mistérios de sua essência. Porém desejo-a com mais ardor olhando-me com aquelas janelas tão distantes e fechadas. Os seus olhos apenas se concentram nas folhas a sua frente, nos rabiscos incompreensíveis a minha sapiência. Eu sei. Nunca serei digno de seus olhos, de seus cabelos, muito menos de suas mãos descobrindo-me a face vagarosamente. Condenei-me a apenas observá-la no exato momento em que deixei que um espinho meu penetrasse-lhe o dedo. Então um filete de vida rubra escorreu-lhe e de seus olhos algumas lágrimas quentes escaparam para molhar-me o corpo. São essas lágrimas a única lembrança fixa e etérea que me resta de seus olhos. Meus eternos torturadores e acalentadores.