terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Primeiros Pensamentos

Sempre que penso em uma personagem mulher penso em Helena, não sei o porquê esse nome surge na minha cabeça. Helena. Mas Helena é a musa de muitos, geralmente remete a uma mulher forte de personalidade marcante. Meus personagens são mais frágeis, quebram e colam seus pedaços com uma esperança rala, apenas um relance, uma faísca. Helena não seria o melhor nome. Talvez seja alguma espécie de pecado que cometo ao tentar refletir-me naqueles que tento criar, tentar reproduzir minhas angústias em belas palavras compondo pomposas metáforas. Mas é mais forte que minha razão, quando vejo já foi, criaram-se as metáforas (nem sempre boas, tampouco claras) as palavras pomposas ofuscaram as simples e o texto vira uma tentativa vã de arte e poesia.

Comecei com um pensamento (a personagem persistente em minha mente) e já me desprendi dele, agora falo de forma mais genérica sobre meu impulso de escrever, Helena já não tem mais autoridade nestas linhas e já não caminha mais nestas palavras. Agora surge a escuridão mesmo na luz que me inspira várias vezes. É uma escuridão bem diferente do comum (talvez não) e espera o mais frágil sinal de solidão para soltar seus dedos tentáculos acinzentados e envolver meus olhos suavemente. Não é ruim, é sedutor, uma fuga psicológica de meus descontentamentos que, as vezes, parece controlar meu tempo. É um tempo que passa lento, por um instante encontro a eternidade.

Uma eternidade, devo confessar, interessante. É a mesma que puxa meu olhar para fora da janela no meio da noite e faz meus olhos encontrarem as estrelas. Acho bem interessante essa coisa das estrelas, é quase a prova que eu preciso para acreditar em viagens no tempo. Devo salientar, entretanto, que sou leiga nessas discussões de física, o que eu digo aqui são pensamentos meus, nada confirmado ou suportado por alguma verdade ou hipótese científica. O que eu digo aqui é a viagem temporal da minha mente, pode ocorrer de forma semelhante na sua mente, ou não. É simples, portanto. Voltamos para as estrelas! Como dizia, para mim, olhá-las hoje é encarar os reflexos do passado, talvez por isso que me fascino tanto. Ao olhar para as estrelas estou revisitando toda história que já passou, é repensar toda minha situação e sanidade. É olhar no âmago do mundo, por um breve momento, todos seus defeitos, todas suas qualidades e passagens. É o cerne da criação de tudo que está ao meu redor e que em algum dia do futuro virá.

Mas é preciso apenas um instante para desvencilhar-me de todas as correntes que me amarram e sentir-me parte integrante do mundo. Pulsar com as águas e dispersar-me no vento. Apenas um segundo de eternidade ao olhar para as estrelas e sei que sou o mundo inteiro assim como o mundo todo é o que eu sou. Depois disso, silenciosamente, as correntes voltam e os dedos tentáculos de cor cinza abrem meus olhos. A realidade bombardeia minha visão. Também isso não é ruim, sinto o cheiro da chuva e o gosto do café queimar minha língua gentilmente. A escuridão de que falei e a realidade que me rodeia são dois lados da moeda e uma moeda não é feita apenas de um lado. Nada melhor do que uma dose de eternidade para melhor voltar à realidade. Quero jogar essas palavras no vento (ou o que a ele se assemelha), quero que outros leiam, ou apenas passem os olhos. O que tem aqui não é verdade, não é nada ao mesmo tempo que para mim é tudo...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

As cores da música e o ponto

Era um ponto, bem pequeno, escondido atrás de uma árvore muito grande. Essa árvore tinha as folhas de uma tonalidade verde escura com pintas acinzentadas que, a medida que se afastavam do sol, tornavam-se mais presentes. Uma bela visão de longe: a árvore com suas folhas bem verdes nos galhos superiores e cada vez mais cinzas nos galhos inferiores. O ponto conseguia apenas enxergar as folhas que caiam no chão ou que se prendiam com alguma dificuldade nos galhos baixos, o cinza era o primeiro a cair. A primeira cor que o ponto pintou o seu mundo foi cinza, não era de todo ruim, era um cinza salpicado de verde, um pouquinho de esperança, um pouquinho de vida.

Um dia o ponto quis sair de perto da sua árvore, ouviu algo longe chamar sua mente, precisava encontrar de onde vinha o som estranho e suave com um azul vibrante, oscilando no vento que desprendia as folhas e as levava para longe. O que aconteceria com as folhas que não caiam no chão perto do tronco rígido e fixo? Será que assumiriam a cor que o vento trazia? Esse azul diferente, uma vida não tão viva e não tão sem graça, talvez um sorriso seguido da lágrima. Seu impulso foi mais forte que a razão tentando insistir para permanecer seguro atrás da árvore. Seguiu as folhas, seguiu o azul, começou a andar pela grama tocada pelo sol, meio úmida das gotas de música que começavam a cair tímidas em tons de arco íris.

Eram muitas cores invadindo seus olhos, pois agora o ponto os abria mais e mais. O vento e a chuva envolvendo o corpo reto, antes tão imóvel e agora flexível com o ritmo azul cada vez mais vermelho, rápido, quente. A sensação tornou-se tão real, tão intensa que fez o sozinho ponto perguntar-se se haviam outros dele entregues ao misto de emoções e cores que o invadiam tão abruptamente. Quantas outras cores haveriam? Todos gostavam estritamente das mesmas? Existiam outros? Se existiam ficavam todos confinados em árvores das quais enxergavam apenas uma fração? Sua razão resmungou em algum ponto profundo de sua mente, havia saído da segurança e agora tinha milhões de questionamentos invadindo-o, qual era a utilidade disso tudo?

De imediato não tinha como responder os questionamentos de sua razão conservadora, não se esquecera do sentimento morno de segurança, mas, infelizmente ou não, o azul que trouxera o vento abriu um pequeno buraco no lugar que talvez fosse seu coração e inseriu o desejo de expandir as coisas que podiam, em algum momento, preencher esse buraco. Um outro ponto, uma música nova, uma cor antes nunca imaginada. Uma dor avassaladora sem cor nenhuma ou a leveza de todas as cores pulsando diante de seus olhos cansados. Tomou conhecimento da saudade de coisas que nunca viu ou sentiu. De pontos que nunca conheceu. 

Foi apresentado ao sentimento de solidão  quando conheceu vários pontos tão diferentes de si mesmo. E a sensação de ser constantemente ofuscado quando conviveu com pontos mais chamativos, uns bons e sinceros e outros repletos de uma casca brilhantemente artificial e fina. Esses primeiros (sinceros e bons) fizeram-no se sentir bem, feliz junto deles que emprestavam um pouco do seu brilho para pintar um pedacinho das suas músicas ainda em ascensão. Os últimos deixavam-no cansado, triste, com sentimentos de injustiça e pitadas de ódio, aniquilavam as cores vibrantes e traziam os tons insossos de cinza que reinavam por dentro da casca ofuscante.

Com os dias que passou fora da cobertura da antiga árvore o ponto também conheceu as noites com suas estrelas brilhantes que tocavam uma música tão calma quanto podia ser agitada. O ponto amou intensamente como podia amar todas as estrelas. Era tudo questão de como olhava para o céu. Se olhasse buscando conforto as estrelas cantavam algo mais suave de um tom prateado e oscilante como as águas. Se olhasse com desejos de expor a vontade de dançar, de gritar, de fazer qualquer coisa fora da rotina ou do normal as estrelas pulsavam douradas e intensas martelando gravemente em seu peito e perpetuando a batida para cada parte de seu corpo.

O ponto, entretanto, não sabia finalizar o que quer que estivesse vivendo, queria a continuidade e queria também conhecer um pouco o silêncio. Que cor tinha o silêncio? Ou tinha mesmo uma cor? Em suas andanças acabou chegando em um lago, tão grande como um oceano e tão pequeno como deveria ser por ser um lago. Nesse momento toda música parou por alguns segundos, as cores ficaram suspensas juntamente com a existência do ponto. Alguns momentos que foram esclarecedores pois, quando voltou a música e as cores começaram novamente a ondular pelo céu o ponto soube.

Soube o que faria, soube o que seria. Seria um ponto, um ponto vestido de vários tecidos, cada um de uma cor. Um ponto que algum dia encontraria outro ponto com tantos tecidos como ele, com cores diferentes e iguais. Um ponto que poderia viver ou continuar ali, temporariamente suspenso. Foi assim que o ponto pulou na água fria. A lâmina do lago oceano penetrou na sua pele de ponto e fez os tecidos se espalharem. No meio deles o ponto era um ponto muito pequeno. Um pequeno ponto rodeado de todas a emoções que sabia sentir flutuando no lago frio que as vezes não era tão frio assim. Como também era um oceano suas correntes começaram a mover o ponto, misturando as cores que na água ainda preservavam seu som... Levando-o para longe... Tão longe quanto um ponto pode ir e tão perto das estrelas quanto um ponto pode desejar.