quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

As cores da música e o ponto

Era um ponto, bem pequeno, escondido atrás de uma árvore muito grande. Essa árvore tinha as folhas de uma tonalidade verde escura com pintas acinzentadas que, a medida que se afastavam do sol, tornavam-se mais presentes. Uma bela visão de longe: a árvore com suas folhas bem verdes nos galhos superiores e cada vez mais cinzas nos galhos inferiores. O ponto conseguia apenas enxergar as folhas que caiam no chão ou que se prendiam com alguma dificuldade nos galhos baixos, o cinza era o primeiro a cair. A primeira cor que o ponto pintou o seu mundo foi cinza, não era de todo ruim, era um cinza salpicado de verde, um pouquinho de esperança, um pouquinho de vida.

Um dia o ponto quis sair de perto da sua árvore, ouviu algo longe chamar sua mente, precisava encontrar de onde vinha o som estranho e suave com um azul vibrante, oscilando no vento que desprendia as folhas e as levava para longe. O que aconteceria com as folhas que não caiam no chão perto do tronco rígido e fixo? Será que assumiriam a cor que o vento trazia? Esse azul diferente, uma vida não tão viva e não tão sem graça, talvez um sorriso seguido da lágrima. Seu impulso foi mais forte que a razão tentando insistir para permanecer seguro atrás da árvore. Seguiu as folhas, seguiu o azul, começou a andar pela grama tocada pelo sol, meio úmida das gotas de música que começavam a cair tímidas em tons de arco íris.

Eram muitas cores invadindo seus olhos, pois agora o ponto os abria mais e mais. O vento e a chuva envolvendo o corpo reto, antes tão imóvel e agora flexível com o ritmo azul cada vez mais vermelho, rápido, quente. A sensação tornou-se tão real, tão intensa que fez o sozinho ponto perguntar-se se haviam outros dele entregues ao misto de emoções e cores que o invadiam tão abruptamente. Quantas outras cores haveriam? Todos gostavam estritamente das mesmas? Existiam outros? Se existiam ficavam todos confinados em árvores das quais enxergavam apenas uma fração? Sua razão resmungou em algum ponto profundo de sua mente, havia saído da segurança e agora tinha milhões de questionamentos invadindo-o, qual era a utilidade disso tudo?

De imediato não tinha como responder os questionamentos de sua razão conservadora, não se esquecera do sentimento morno de segurança, mas, infelizmente ou não, o azul que trouxera o vento abriu um pequeno buraco no lugar que talvez fosse seu coração e inseriu o desejo de expandir as coisas que podiam, em algum momento, preencher esse buraco. Um outro ponto, uma música nova, uma cor antes nunca imaginada. Uma dor avassaladora sem cor nenhuma ou a leveza de todas as cores pulsando diante de seus olhos cansados. Tomou conhecimento da saudade de coisas que nunca viu ou sentiu. De pontos que nunca conheceu. 

Foi apresentado ao sentimento de solidão  quando conheceu vários pontos tão diferentes de si mesmo. E a sensação de ser constantemente ofuscado quando conviveu com pontos mais chamativos, uns bons e sinceros e outros repletos de uma casca brilhantemente artificial e fina. Esses primeiros (sinceros e bons) fizeram-no se sentir bem, feliz junto deles que emprestavam um pouco do seu brilho para pintar um pedacinho das suas músicas ainda em ascensão. Os últimos deixavam-no cansado, triste, com sentimentos de injustiça e pitadas de ódio, aniquilavam as cores vibrantes e traziam os tons insossos de cinza que reinavam por dentro da casca ofuscante.

Com os dias que passou fora da cobertura da antiga árvore o ponto também conheceu as noites com suas estrelas brilhantes que tocavam uma música tão calma quanto podia ser agitada. O ponto amou intensamente como podia amar todas as estrelas. Era tudo questão de como olhava para o céu. Se olhasse buscando conforto as estrelas cantavam algo mais suave de um tom prateado e oscilante como as águas. Se olhasse com desejos de expor a vontade de dançar, de gritar, de fazer qualquer coisa fora da rotina ou do normal as estrelas pulsavam douradas e intensas martelando gravemente em seu peito e perpetuando a batida para cada parte de seu corpo.

O ponto, entretanto, não sabia finalizar o que quer que estivesse vivendo, queria a continuidade e queria também conhecer um pouco o silêncio. Que cor tinha o silêncio? Ou tinha mesmo uma cor? Em suas andanças acabou chegando em um lago, tão grande como um oceano e tão pequeno como deveria ser por ser um lago. Nesse momento toda música parou por alguns segundos, as cores ficaram suspensas juntamente com a existência do ponto. Alguns momentos que foram esclarecedores pois, quando voltou a música e as cores começaram novamente a ondular pelo céu o ponto soube.

Soube o que faria, soube o que seria. Seria um ponto, um ponto vestido de vários tecidos, cada um de uma cor. Um ponto que algum dia encontraria outro ponto com tantos tecidos como ele, com cores diferentes e iguais. Um ponto que poderia viver ou continuar ali, temporariamente suspenso. Foi assim que o ponto pulou na água fria. A lâmina do lago oceano penetrou na sua pele de ponto e fez os tecidos se espalharem. No meio deles o ponto era um ponto muito pequeno. Um pequeno ponto rodeado de todas a emoções que sabia sentir flutuando no lago frio que as vezes não era tão frio assim. Como também era um oceano suas correntes começaram a mover o ponto, misturando as cores que na água ainda preservavam seu som... Levando-o para longe... Tão longe quanto um ponto pode ir e tão perto das estrelas quanto um ponto pode desejar.

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