domingo, 20 de junho de 2010

Nota

Fugir de tudo e de todos, correr descalça pelas calçadas da memória, esquecer apressada as lembranças quebradas. Chorar rápido as alegrias perdidas. Escapar das garras do futuro e esconder-se dos lábios do passado. Parar no meio fio do tempo para apenas contemplar o rosto confuso do presente e ouvir o choro triste das cordas que não mais querem cantar.


Estourar os tímpanos com notas distorcidas da minha música mal acabada. A guitarra jogada na areia movediça, engolida pela não vontade de criar. Os lápis e os papéis derretidos no ácido do bloqueio e o som de um osso torcido na angústia. Que voz estridente tem o nada que me traga vagarosamente!


Funde meu corpo no calor da desilusão, maculado pela culpa de ser tão passiva. Voam meus cabelos pelo céu rubro de meu sangue ralo derramado para suprir esforços fúteis. O supérfluo da minha existência é gritante, enquanto o sentido real da minha personalidade permaneceu mudo pelas décadas corridas em que pensei viver intensamente.

Matrizes

Quando acordei naquela manhã o mundo parecia ligeiramente diferente, algo mudara nas cores, não eram mais tão vivas como deveriam ser. Ignorando protestos do meu corpo pesado na cama vesti-me e sai para rua sem saber que o mais bizarro dos acontecimentos estava a minha espera. Matrizes gigantes cobriam por inteiro os transeuntes, nem seus rostos eram poupados. Mais estranho que isto era o que acontecia com os números destas matrizes quando alguém falava ou esbarrava em outra pessoa, eles mudavam rapidamente, num piscar de olhos. Continuei com minha caminhada, ainda meio zonzo de sono. Era estranho, pois eu não conseguia relacionar exatamente o modo como as matrizes mudavam com uma ação social específica. Subitamente meus olhos pousaram em uma matriz cuja maior parte dos números era zero e um sentimento de tristeza invadiu minha mente. Não pude conter as lágrimas que já escorriam pelo meu rosto descontroladas, precisava enxugá-las o mais rápido possível. Acelerado pela minha vergonha e fraqueza, procurei a loja mais próxima e me dirigi ao seu banheiro. Foi então que me espantei pela última vez no dia quando me dei conta que minha matriz não se refletia no espelho.