quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fumaça

Toda vez que ele fumava uma penumbra formava-se em torno de si. Era um toque sutil de mistério, uma fagulha de curiosidade que me embriagava como uma bela dose de uísque sem gelo. Esses momentos lembravam-me a época em que, por acidente infeliz, deixara meus óculos caírem no chão e ficara meio cega por uns dias, eram tempos em que as óticas não eram muito rápidas. Eu era bem nova, uns dezesseis anos, talvez mais, talvez menos. Como diria meu pai “dezesseis mais ou menos um e meio”. Nesses dias em que fiquei sem enxergar direito o mundo ganhou um véu diferente, nada era nítido suficiente e as ruas pareciam porções de água escura dançando suavemente ao sabor de uma leve brisa. O começo foi meio assustador, estava tão acostumada com a nitidez prática de meus óculos que o suave mistério instalado na minha vida tragou-me para um abismo de medo. Entretanto aos poucos aprendi a tatear nas névoas que se formavam a minha volta e consegui conviver mais tranquilamente com tudo aquilo.


Apesar de o cheiro incomodar-me no começo, a simples lembrança da época de meus dezesseis anos eclipsara qualquer desconforto, tornando a experiência de ficar ao seu lado durante suas tragadas nostálgica. Gostava de inserir-me na fumaça, impregnar-me do ar que saia de sua boca e fechar os olhos. Nesses momentos eu conseguia lembrar-me perfeitamente de todas aquelas imagens pouco detalhadas das semanas de minha míope névoa e sentia meus pés flutuando nas ruas enquanto apertava meus olhos para olhar alguns centímetros a frente. Ele, então, envolvia-me em seus braços e sussurrava algumas palavras com as quais eu nem sempre me importava. Todos meus sentidos eram atentos apenas às sensações oriundas de seus lábios esfumaçados e meu corpo inteiro entrava em êxtase quando me tocavam macios e quentes. O beijo sufocava-me, eu sentia a fumaça invadir-me os pulmões e expandir-se por todos meus órgãos, tentava respirar, mas não havia mais oxigênio apenas o momento da morte de todo meu presente.

Nenhum comentário: