terça-feira, 19 de outubro de 2010

Trecho a ninguém

O chá esfriara nos últimos dedos da caneca velha e manchada e as folhas continuavam em branco, a caneta jogada e destampada esfriara nos locais de pressão da mão humana e alva que por sua vez descansava no mogno sem brilho do tampo da mesa. "Os anos passam rápido sobre a planície ofuscante do espelho, cada dia reflete um homem que foge de si mesmo e esconde um mundo de escuridão suspenso no vácuo de uma carcaça epidérmica", não sabia exatamente quando havia lido, mas as palavras martelavam em sua cabeça e bloqueavam qualquer tentativa de criar. Estava velho, preso em suas escolhas solitárias feito uma pedra plantada no chão de cimento. Cada gota da chuva ácida de culpa acumulada durante anos corroía-lhe a pele, sua face deformou-se, virou um espectro, uma idéia horrenda dos sentimentos mais pesados e seu corpo não se movia, a mão grudara no mogno e assim permaneceu. Dia após dia, noite após noite e as sombras iam e vinham naquela imagem vazia de Ninguém deformado. Suas folhas em branco ecoavam em perfeita sintonia com aquelas palavras que não paravam de martelar...

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