segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Murmúrios de uma Paisagem

A escrivaninha fica em frente a janela, a casa em cima de um morro razoável, da janela vê-se todo o vilarejo. Meu pai nunca me deixou olhar muito além, disse envenenar a alma, nunca entendi o propósito de tal afirmação. Morreu há três anos, na divisão dos bens entre os irmãos fiquei com a casa, agora poderia instalar meu escritório onde antes fora o escritório dele. Livros e mais livros velhos e empoeirados jaziam naquelas estantes tão fascinantes durante minha infância, limpei todos com o maior cuidado, levei dois dias, depois arrumei meus livros nos espaços vazios. Eram então um único conjunto, os livros velhos e os livros novos. Em menos de uma semana consegui deixar o antigo escritório com a minha cara, do meu gosto, o resto da casa não interessava.

O tempo passa rápido quando o trabalho é muito. Nem tempo de apreciar a vista magnífica da janela em frente a escrivaninha eu tive. Foi finalmente em um final de semana que a oportunidade surgiu. O céu estava claro depois do meio dia, ninguém na casa, o almoço de família que eu fizera já havia terminado e os parentes já haviam ido embora, subi para o escritório e fechei a porta, caminhei até a escrivaninha e sentei-me de um modo em que toda a paisagem cabia em meus olhos, as casinhas pequenas espalhadas pelos campos verdes, as árvores circulando todo o vilarejo, um paraíso.

Creio que foram mais de horas observando, quando dei por mim já passara das seis da tarde, o sol já havia se deitado e a lua começava a brilhar tímida no céu. O calor era insuportável. Levantei da cadeira e segui para fora de casa, andei um pouco até um dos morros mais altos do vilarejo (ficava a poucos metros de casa) e sentei-me na grama fresca. De lá a paisagem era ainda mais bonita e cada vez menos eu entendia o porquê de meu pai dizer envenenar a alma tão bela vista. Meus olhos pararam em um ponto ao longe, uma espécie de bosque, nunca havia estado lá, nem sabia de sua existência. As árvores eram altas e escuras, a lua não iluminava aquela parte da paisagem. Era tudo tão belo. As luzinhas das casas, as sombras negras das árvores. Levantei-me.

Minha cabeça estava confusa, não conseguia controlar meus próprios movimentos. Minhas pernas subiam mais e mais em direção ao topo maior que dava para um abismo, queria ver a paisagem, queria ver mais além do bosque. Caminhei, meus pés doíam, minhas mãos tremiam, o calor dera lugar ao frio, tudo parecia congelado, salvo as minhas pernas que continuavam decididamente sua caminhada para o topo do morro. Finalmente cheguei ao topo, a paisagem imensa à minha frente e o abismo profundo em baixo, meus olhos não mais diferenciavam as luzes das casas, eram todas um único mar pálido ao fundo de uma paisagem morta. Um calafrio subiu pela espinha, tudo era tão belo e único, queria fazer parte daquela magnitude, ser um suspiro do vento imortal. A paisagem envenena a alma...

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito legal o conto, enquanto lia eu podia perfeitamente ver as ações contadas pela personagem, desde a sua chegada à casa, a arrumação, as tarefas domésticas e familiares, até essa instigante e ao mesmo tempo perigosa jornada que ela empreendeu pela cenário à sua volta. Posso estar enganado, mas acho que de todos os seus textos que já li esse me pareceu o mais "visual" de todos.
Até mais =)