quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Devaneio

O som balançava pelo quarto, bem alto, não se importava com os vizinhos, estava deitada na cama viajando pela sua cabeça, pensando em coisas além da realidade de olhos fechados e sentidos completamente aguçados. O calor seria inebriante se não fizesse sua pele melar com o suor, não gostava da sensação, não quando estava sozinha. Sozinha preferia o ar fresco, a pele bem lisa e a respiração calma, não ofegante como se cada bufada de ar em seus pulmões fosse uma faca fina em brasa. Por mais que o calor a fizesse ter ímpetos de se mover pela cama, rolar pelas cobertas perfeitamente esticadas na busca de uma posição menos incomoda nesse dia ela não tinha forças. Estava esgotada e entregava todas sua disposição restante para o som que invadia sua cabeça e remexia seu interior com sensações novas, estranhas, feito ondas de adrenalina percorrendo cada milímetro de seu corpo. Não sabia mais o que era realidade e o que era a música bem tocada e perturbadora, não distinguia mais onde começava seu corpo e onde começava o ar pesado e úmido de seu quarto, sabia apenas que, se ficasse deitada, em alguma hora de seus devaneios levitaria na espuma de suas fantasias. Era a voz, ou as mãos, ou ambas, de algum modo aqueles acordes e aquelas palavras ritmadas estavam deixando-a em um estado diferente do esperado quando se ouve uma música, sua respiração seguia a melodia e os lábios dublavam em silêncio. O calor potencializava a sensação de estar perfeitamente acompanhada. Deixou-se levar pela respiração, pela letra, os sussurros, suspiros, agudos, velozes, tudo foi caindo no êxtase fulminante, seu peito movia-se rapidamente, estava ficando sem ar. Suava muito, provavelmente já havia molhado a cama, as roupas... As roupas! Queria tirá-las todas, sentia-se presa, impossibilitada de seguir as cordas, sua pele queimava. Apertou as pálpebras com mais força, soltou um grito surdo, um suspiro de alívio e apertou o play novamente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Camila,
que bonito texto, muito bem escrito. Gostei desse teu estilo.

Terminei o conto, passa lá pra conferir o restante da história.

Bjs

Anônimo disse...

Bem inebriante o texto, ele passa a idéia de algo que pode acontecer muito normalmente, se as pessoas permitirem: você ter uma "viagem", digna daquelas proporcionadas por substâncias alucinógenas mesmo, mas apenas com o poder da meditação, você ficando deitada e apreciando o que tem ao seu redor. Claro, tem-se o aditivo da música, que realmente ajuda a digamos "dar a partida" na viagem, mas mesmo sem ela, se você se deitar e ficar em completo silêncio, apenas reparando no outro silêncio que a rodeia, você aos poucos vai entrando nesse estado de alienação, e é legal fazer isso, de vez em quando.
Até mais.